Os efeitos de mudanças climáticas podem ser sentidos diariamente com o aumento das secas, alagamentos, aumento do nível do mar e outros fatos que apontam para um desequilíbrio ambiental por todo planeta. No Brasil, os impactos devastadores para quase 2 milhões de gaúchos com a catástrofe climática no Rio Grande do Sul e que levou à morte quase 200 pessoas, revelou o desastre da política climática nacional e estadual. Um retrato da falta de ações em relação à emergência climática, debatida exaustivamente nas últimas décadas por cientistas e ativistas pelo clima.
Em novembro de 2025 o Brasil sediará pela primeira vez a cúpula mundial do clima das Nações Unidas, a COP 30, o evento mais relevante do segmento. A COP 30 acontece em Belém (PA), uma metrópole no coração da floresta amazônica, seis anos após o governo Bolsonaro se negar a receber o encontro no país. É esperado um fluxo de mais de 40 mil visitantes durante os principais dias da Conferência. E é uma oportunidade para que o Brasil apresente ao mundo uma agenda efetiva de adaptação e mitigação dos efeitos da crise climática. Que assuma o posto de potência da economia verde, com desenvolvimento socialmente justo e sustentável, ancorado em soluções baseadas na natureza. Mas para isso o Brasil precisa trabalhar duro internacionalmente, para fazer com que os outros países participantes também apresentem planos climáticos ambiciosos.
O PAD — Processo de Articulação e Diálogo conversou com representantes da Cooperação Internacional e da Sociedade Civil sobre a importância da realização da COP 30 no Brasil no próximo ano e a expectativa de avanços no tema da crise climática a ser tratado entre as partes.
Aurélio Viana, diretor sênior do programa da Tenure Facility no Brasil, avaliou que vivemos um momento muito importante para os povos indígenas, quilombolas e povos da floresta: “Vamos ter momentos chave de discussão sobre temas relevantes para a Amazônia, pois este ano acontece a COP 16, que é da Biodiversidade num país amazônico, que é a Colômbia — e que está sendo organizada com efetiva participação nos debates por movimentos territoriais visando o reconhecimento dos povos afrodescendentes. E no próximo ano, vamos ter a COP 30, de clima, sendo realizada em Belém (PA), no Brasil, país também amazônico. A gente vê esse momento sendo muito importante, para se pautar por medidas efetivas para os movimentos territoriais”.
Segundo reportagem publicada em julho último pela Agence France Press, a Colômbia, como país anfitrião da COP 16, que será realizada em outubro, buscará o reconhecimento formal dos direitos coletivos dos afrodescendentes na América Latina. Em entrevista coletiva, a vice-presidente do país, Francia Márquez, ressaltou que, diferentemente dos povos indígenas, a população afrodescendente não está incluída “em nenhum dos instrumentos sobre meio ambiente, mudanças climáticas e diversidade”. Juntamente com a chancelaria e o Ministério do Meio Ambiente colombianos, “assumimos a tarefa de promover que a categoria de povos afrodescendentes seja inserida na COP”, disse a vice-presidente. Leia mais:
Hora da verdade para o Clima: a COP 30 marca revisão de metas globais
Aurélio Viana lembra que esta Conferência marca a revisão de metas Globais, ou seja: a reunião em Belém será a terceira edição da COP sobre Mudanças Climáticas em que os países terão de atualizar seus compromissos nacionais de redução da emissão de gases do efeito estufa — a primeira vez foi em 2015, na COP21, em Paris; e a segunda, em 2021, na COP 26, em Glasgow, na Escócia.
O Brasil precisará de forte protagonismo internacional e um plano ambicioso para que as partes assumam compromissos mais audaciosos no combate ao aquecimento global. Um dos maiores desafios do período será sensibilizar as partes para que avancem nos compromissos para a redução das emissões provocadas pelo atual modelo de Sistemas Alimentares, que inclui a agropecuária industrial e o intenso desmatamento dos biomas provocado pela atividade.
O governo brasileiro, anfitrião da COP 30, criou em abril deste ano a Secretaria Extraordinária que coordena a preparação para que a Amazônia, em Belém (PA), receba a Conferência do Clima (COP 30). Com a criação dessa Secretaria ficará sobre a responsabilidade da Casa Civil do governo brasileiro, fazer o país reafirmar seu compromisso de mostrar ao mundo que a preservação da Amazônia significa cuidar da biodiversidade, cuidar das pessoas que vivem na região, dar dignidade a todas elas, e garantir o papel central que a floresta tem no combate ao aquecimento global e às mudanças climáticas.
A COP 30 marca o prazo final para que os países apresentem suas novas Contribuições Nacionalmente Determinadas (Nationally Determined Contributions — NDCs), estabelecendo metas mais ambiciosas para o combate às mudanças climáticas. O Brasil tem, assim, a oportunidade de liderar a construção de um consenso global sobre as características essenciais das próximas NDCs. As novas NDCs devem ser resilientes e os planos de transição econômica devem abranger toda a economia, estar alinhados com a meta de limitar o aquecimento global a 1,5ºC, ser motores para o desenvolvimento e o crescimento econômico sustentáveis e ser implementados através de uma plataforma nacional.
Preparativos da COP30
A escolha de Belém para sediar a COP-30 é histórica, pois será a primeira vez que uma conferência climática de tal magnitude ocorrerá no coração da Amazônia.
Esta decisão traz consigo altas expectativas e um grande investimento em infraestrutura urbana, transporte e serviços de alimentação para garantir que a cidade esteja preparada para receber delegações de mais de 190 países, além de representantes de organismos internacionais, empresas e ambientalistas. Os governos federal e estadual estão trabalhando juntos para preparar Belém, que atualmente enfrenta desafios em termos de hotelaria, transporte e serviços suficientes para suportar a demanda durante as duas semanas do evento. Além da infraestrutura, há uma preocupação significativa com o impacto positivo que o evento trará para o Brasil, conforme ressaltado por Ana Toni, Secretária Nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente. “Estamos empenhados em garantir que a COP-30 não apenas coloque o Brasil novamente no centro das discussões ambientais globais, mas também deixe um legado duradouro de melhorias na infraestrutura e conscientização ambiental no país”, afirmou Ana Toni.
Do G20 para a COP 30
Durante a reunião do G20, o secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores, embaixador André Corrêa do Lago, enfatizou a importância de chegar à COP 30 com a mensagem de que as florestas são uma solução para as mudanças climáticas. Ele destacou as oportunidades que cidades como Belém e regiões amazônicas oferecem para o benefício global, ressaltando a necessidade de integrar ciência, conhecimento e investimento.
“Apesar das recomendações do Acordo de Paris, as mudanças climáticas têm ocorrido mais rapidamente do que o previsto, com efeitos esperados para 2040 já se manifestando”, disse Lago.
Ele destacou a urgência da situação, apontando que a ciência está alarmada com a velocidade das mudanças e que as previsões mais pessimistas estão se concretizando. (agência Gov-EBC)
Segundo a Climate Policy Initiative , o Brasil colocou a justiça social no topo dos diálogos climáticos do G20, criando a oportunidade de discutir o financiamento climático com foco na sociedade. Essa perspectiva ajudou a romper os obstáculos entre o financiamento do desenvolvimento socioeconômico e o financiamento climático, promovendo uma abordagem holística, que contemple ambos, sem diluir as responsabilidades. Ao promover o diálogo e a colaboração, o Brasil pode impulsionar soluções de financiamento climático mais equitativas e eficazes, preparando o terreno para uma COP 30 bem-sucedida e para um progresso significativo em direção a um futuro sustentável. Leia:
As COPs são as maiores e mais importantes conferências anuais relacionadas ao clima do planeta.
Começou há 22 anos, em 1992, quando a ONU organizou a ECO-92, no Rio de Janeiro. O evento marcou a adoção da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC). Na ocasião também foi criado o Secretariado de Mudanças Climáticas da ONU. Através desta convenção, as nações concordaram em “estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera para evitar interferências perigosas da atividade humana no sistema climático”. Até agora, 197 partes assinaram o documento.
Desde 1994, quando o tratado entrou em vigor, todos os anos a ONU vem reunindo quase todos os países do planeta para cúpulas climáticas globais ou “COPs”, que significa “Conferência das Partes”. Durante essas reuniões, as nações negociaram várias extensões do tratado original para estabelecer limites juridicamente vinculativos para as emissões. Por exemplo, o Protocolo de Kyoto em 1997 e o Acordo de Paris adotado em 2015, no qual todos os países do mundo concordaram em intensificar os esforços para tentar limitar o aquecimento global a 1,5°C acima das temperaturas pré-industriais e aumentar o financiamento da ação climática. A Primeira COP aconteceu em 1995, em Berlim, na Alemanha.
Expectativa para a COP 30
Para Marcelo Montenegro, coordenador da área de justiça socioambiental da Fundação Heinrich Böll, “Inicialmente, é importante mencionar que existe um clima de otimismo para a COP 30, que se baseia na escolha do local: Amazônia. Colocar o debate climático dentro da Amazônia é possibilitar aos negociadores uma visão e proximidade com um dos biomas mais importantes do planeta, além de também reuni-los com os povos da floresta. Ter esta grande Conferência na Amazônia também viabiliza conexões com visões de futuro, produzidas por quem está nos territórios, e não somente através de distopias. Porém, também é preciso cuidado e manter a cautela. Ao buscar soluções para colocar o planeta de volta ao rumo dos 1,5º, é preciso não promover o chamado “greenwashing”, para isso os povos da floresta devem estar no protagonismo dos debates. Ou as medidas já iniciaram fracassadas”.
Aurélio Viana está otimista e disse apostar que os grandes atores desta COP serão os povos indígenas e os movimentos territoriais e afirmou:
“Os povos indígenas, povos tradicionais e originários já se afirmaram como atores políticos dentro destas discussões, já há mais tempo. E isso é uma coisa boa, então não é necessariamente a participação numa negociação, de uma COP que os torna atores importantes no processo, eles já são os protagonistas e a presença deles já é importante hoje, antes mesmo da Conferência”.
Sabine Minninger, Assessora Política na Pão para o Mundo (Bread for the World), especializada em mudanças climáticas e questões em torno do desenvolvimento, afirmou que a agência está comprometida com uma política climática internacional voltada para as necessidades dos grupos populacionais mais pobres e vulneráveis. Juntamente com alianças internacionais, como a Climate Action Network International e a ACT Alliance, bem como organizações parceiras regionais e nacionais, estão trabalhando por uma maior justiça climática.
“Esperamos que a COP 30 adote resoluções que levem a mais proteção climática e apoio aos grupos populacionais mais pobres na crise climática. A cooperação para o desenvolvimento deve capacitar as pessoas afetadas a se tornarem agentes de mudança por meio da capacitação e do apoio financeiro ao trabalho do projeto. Além disso, as pessoas afetadas pela crise climática do Sul Global também devem ter um lugar na mesa de negociações da UNFCCC. As vozes da sociedade civil do Sul Global devem ser ouvidas e incluídas nas resoluções da COP 30. Sua participação é importante para garantir que a política climática seja voltada para suas necessidades e que seus direitos humanos sejam protegidos. Eles também serão ouvidos pela imprensa mundial, o que exercerá pressão adicional sobre os governos para que façam mais pela justiça climática”, afirmou Sabine Minninger. E concluiu: “A Pão para o Mundo tem uma prática de longa data de dar às organizações parceiras acesso às negociações climáticas porque é importante para nós que os próprios parceiros se envolvam e levantem suas vozes. Por isso, organizamos conversas com a mídia e com os responsáveis pelas decisões políticas”.
Vicente Puhl, Diretor do Programa País Brasil da Heks-Eper afirmou:
“Tenho a impressão de que a COP 30 será uma das mais importantes COPs já realizadas, pois as evidências do desequilíbrio da natureza estão fortemente presentes e os impactos dos desastres estão afetando todos os continentes e regiões. Só não vê quem não quer. Ainda acredito na boa intenção de boa parte dos governantes do mundo e acredito que decisões importantes serão tomadas. A COP em si é uma ação de cooperação internacional. Penso que infelizmente os dirigentes políticos, negociadores internacionais, ainda não escutam e não consideram, como deveriam escutar e considerar, as propostas das organizações da sociedade civil, da academia e da ciência, pois no seio da sociedade, da academia e da ciência, sempre existem experiências mais avançadas do que nos gabinetes dos políticos e os gestores precisam compreender esta realidade e abrir verdadeiros canais de diálogo. As OSCs não podem ficar paradas e devem se organizar e tornar públicas suas propostas para que a sociedade as conheça e quem sabe, os negociadores dos acordos políticos possam considerar tais propostas”.
Perguntada sobre a expectativa da Fundação Rosa de Luxemburgo sobre COP 30, Elisangela Soldateli Paim, Coordenadora do Programa Latino-americano de Clima e Energia afirmou:
“Nossa expectativa como organização de esquerda é que a COP 30 seja um espaço de articulação e reivindicação de demandas concretas dos povos indígenas, comunidades tradicionais, das populações periféricas urbanas e de organizações sociais e políticas brasileiras e internacionais. Demandas em torno das defesas de direitos territoriais, também da Amazônia, e frente à crise climática”.
Elisangela Soldateli Paim também falou sobre a expectativa no papel da sociedade civil em geral, e das cúpulas paralelas, e que aumente e tenha mais reconhecimento oficial. “Temos a expectativa que REDD e outros mecanismos duvidosos de mercado voltem a ser discutidos, já que são consideradas soluções falsas por cada vez mais entidades. No entanto, é imprescindível ter em conta os interesses que estão em jogo nos espaços como as COPs; as negociações entre os Estados e grandes empresas transnacionais, especialmente do setor de combustíveis fósseis”.
Sônia G. Motta, diretora executiva da CESE, disse:
“Nós da CESE estamos vendo toda movimentação e preparação para a COP 30 com cautela, mas, ainda assim com envolvimento nos processos de preparação do espaço da sociedade civil — a cúpula dos povos, com propostas de participação e debates. Trata-se ainda de um espaço importante de discussão, especialmente em um momento tão crucial quando o mundo está desafiado a buscar saídas diante da crise climática que assola o planeta. Neste espaço, a participação da sociedade civil é fundamental”.
Ela ambém falou sobre a expectativa de que se possibilite canais de diálogo entre a cooperação para o desenvolvimento e a sociedade civil. “É fato que existem experiências e tecnologias sociais inspiradas pelos saberes ancestrais já experimentadas e que estão dando certo nas periferias das nossas cidades e em territórios de comunidades tradicionais do nosso país, muito em diálogo e aprovados também pelos saberes científicos. Campo e cidade têm se unido para o enfrentamento da crise climática e estas experiências e saberes precisam ser escutadas, disseminadas. Há projetos de desenvolvimento pautados pela justiça socioambiental. Mas haverá espaço para esta partilha, para esta escuta? Faz muito tempo que os movimentos sociais, as organizações da sociedade civil não só estão alertando para o esgotamento deste modelo de desenvolvimento, como tem propostas concretas. O receio é termos uma “agenda paralela” que passe ao largo da COP sem que se traduza em mudanças e compromissos. Mas ainda assim, é uma oportunidade de ocupar o espaço que nos cabe, fazer as provocações necessárias, ampliar as vozes das comunidades impactadas pelas violações de Direitos Humanos e territoriais”. Concluiu Mota
A CESE atuará enquanto articulação ecumênica e inter-religiosa na realização do Tapiri Ecumênico e Inter-religioso na Cúpula dos Povos juntamente com uma grande coalizão de movimentos sociais, pastorais, organizações da sociedade civil, organizações baseadas na fé, igrejas e com o PAD. Um dos objetivos é chamar a atenção para o impacto do fundamentalismo religioso na agenda climática e sua articulação com o fundamentalismo político e econômico destruindo vidas, corpos e territórios.
Marcelo Montenegro afirmou: “O papel ativo de participação, tanto na crítica quanto na presença ativa, é o esperado da sociedade civil. Depois de anos com pouca voz e participação nos debates, ter espaços de diálogo e de convergência para reivindicar políticas e ações no campo climático é fundamental. Precisamos viabilizar a participação ativa dos povos da floresta, conectando-os com os tomadores de decisão. Temas como racismo ambiental e a emergência climática são fundamentais para estarem na mesa de negociações, com uma perspectiva dos territórios das florestas e periféricos. Para tanto, a cooperação pode desempenhar este papel de fortalecer as iniciativas de diálogo e de articulação política da sociedade civil com os países, fomentando debates sobre questões centrais, como transição energética justa. Assim, caminhos podem ser identificados e apontados a partir do debate, sendo levado pelas agências de cooperação e por países para sua implementação. Por fim, a cooperação internacional pode dar visibilidade a uma questão que fica, em muitos casos, à margem das negociações, que é o tema do crime organizado e sua relação com a implementação de políticas do clima”.
Transição energética no centro do debate
O relatório final, produzido pela COP 28 em Dubai, avançou ao reconhecer a necessidade de transição energética para conter as mudanças climáticas, mas é visto como insuficiente ao não prever o fim dos combustíveis fósseis.
Para Pedro Luiz Côrtes, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, o relatório final da COP 28 cita transição para o fim dos combustíveis fósseis, mas ainda deixa lacunas para sua implementação. O documento final expõe a importância de fazer uma transição que abandone os combustíveis fósseis de maneira justa, ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década, para alcançar emissões líquidas zero em 2050. Na avaliação do especialista, esse relatório foi um “bom exercício de retórica”, já que metas mais mensuráveis sobre como essa transição energética acontecerá não foram negociadas. “O que vemos é muito mais uma preocupação dos países com a segurança energética, ampliando a exploração de petróleo, gás e carvão, do que com os efeitos da mudança climática”, aponta Côrtes. Além disso, países como os Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e Brasil estão aumentando a extração desses combustíveis. A China, por exemplo, está ativando usinas termelétricas devido a preocupações com a transição energética. Leia mais:
Para Marcelo Montenegro “O debate sobre transição energética tem crescido de importância e deve ser um dos pontos importantes dos debates na COP 30. Durante a última COP vimos as conversas sobre a necessidade de se implementar ações para a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis. Mas a eliminação foi um termo abrandado no texto final, destacando apenas a necessidade de reduções significativas nas emissões de gases de efeito estufa”. E continuou:
“No Brasil, espera-se que haja uma negociação e acordo que aumentem as ambições dos países ao desafio de manter o planeta dentro do limite de 1,5º. Este debate teve início no processo preparatório do G20, durante as reuniões dos grupos de engajamento. Em maio, representantes da sociedade civil entregaram aos países do G20 propostas no campo da transição energética, fruto de debates ocorridos no grupo de trabalho 3 do C20, sobre “Meio Ambiente, Justiça Climática e Transição Energética”.Sobre os pontos apresentados, o destaque é sobre a necessidade de fortalecer o papel dos povos e comunidades que estão nos territórios como protagonistas, garantindo participação e transparência, além do respeito aos direitos humanos”.
E concluiu: “Não queremos repetir erros do passado e, portanto, uma transição energética precisa ser justa, sem a repetição de um padrão colonialista de exploração de recursos, que impacte ainda mais as populações que são historicamente exploradas. A COP 30 pode ser um momento para a mudança de chave no debate da transição energética, incorporando essas demandas nos debates e acordos. Entretanto, é importante que se acompanhe os desdobramentos das negociações no G20 e da conjuntura socioambiental global nos próximos meses, para que tenhamos uma visão mais clara das oportunidades e limites da COP 30 no ano que vem”.
Para Vicente Puhl, o tema da transição energética terá um grande peso, em certo ponto excessivo na COP 30, muito porque representa uma oportunidade de negócios e nem tanto pela necessidade de afirmação da filosofia da busca pela sustentabilidade. “Vejo que os projetos de transição energética cometem o mesmo erro dos modelos anteriores, não sustentáveis. Praticamente todas as alternativas são pensadas em MEGA projetos, quando deveríamos pensar em microprojetos, descentralizados, localizados, desenvolvidos com as comunidades locais, com participação ativa e benefício concreto para as comunidades locais. O modelo dos megaprojetos já provou que é insustentável ambientalmente e socialmente, pois é mega concentrador de poder e riqueza”, afirmou Puhl.
Financiamento Climático
A 30ª Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas (COP30), deverá priorizar a discussão do financiamento climático para países em desenvolvimento e a participação social. A UNFCCC deixa claro que para responder aos riscos climáticos presentes e futuros é necessário aumentar significativamente a escala do financiamento da adaptação, de todas as fontes, públicas e privadas. Todos devem participar — governos, instituições financeiras e o setor privado.
Em dezembro de 2023, o Brasil assumiu a presidência do G20. Com isso, surgiram diversas oportunidades para fortalecer a implementação do financiamento climático e para avançar em importantes discussões internacionais sobre o tema. Com o Brasil assumindo posições de liderança em espaços internacionais proeminentes, há potencial para o desempenho de um papel central no combate às mudanças climáticas e no avanço da transição para uma economia mais resiliente, inclusiva e sustentável.
“Eu acho que a questão do financiamento climático é muito relevante, no debate da COP 30 Porque quando a gente fala de financiamento climático a gente tá falando da transição energética, mas também estamos falando no financiamento de quem garante que a floresta continue em pé, o movimento indígena, quilombola, quebradeiras de coco a gente vê que apoiar esses movimentos também é financiamento climático, no caso específico das demandas territoriais”, afirmou Aurélio Viana.
A Tenure Facility, por exemplo, apoia alguns fundos comunitários da Amazônia e eles têm um papel importante na luta pela justiça climática e socioambiental no território. Os fundos comunitários e autônomos são mecanismos de gestão direta e compartilhamento de recursos com comunidades locais. Aurélio Viana exemplificou:
“ A Coiab, por exemplo, criou o fundo indígena Podáali — um grupo de mulheres indígenas constituíram seu mecanismo financeiro para receber recursos, do financiamento climático e outros. E elas administram e fazem com que esses recursos cheguem às organizações indígenas que estão protegendo a floresta. Garantindo seus direitos. Enxergamos isso como uma potência muito grande, para estar contribuindo para avançar todo esse processo e fazer com que o recurso chegue na ponta. Também isso acontece no fundo Dema, a gente vê que é uma forma de chegar à ponta, com o próprio movimento gerenciando isso. Pois só os movimentos entendem qual o melhor formato, as necessidades de capacitação… isso é autonomia financeira destas organizações e destes territórios”.
Aurélio Viana também citou a criação do Fundo Amazônia em 2018, pelo Decreto 6.527, e que tem por finalidade captar doações para investimentos não reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal. Também apoia o desenvolvimento de sistemas de monitoramento e controle do desmatamento no restante do Brasil e em outros países tropicais.
“E embora os mecanismos do Fundo Amazônia inicialmente tenham concentrado o maior aporte de recursos a grandes organizações, vemos uma virada muito importante neste momento. O fundo está começando a apoiar diretamente esses movimentos territoriais e seus fundos. O Fundo Amazônia já apoiou o Fundo Dema, apoia o Fundo Babaçu e está apoiando a Coiab, em parceria com a Cese. Isso é promissor, isso tem a ver com a incidência destes movimentos. Ainda é pouco, mas houve um grande avanço”, afirmou Viana. E complementou: “A novidade dos fundos dos movimentos no Brasil é a participação das mulheres. O protagonismo é muito interessante para a gente ver que a maioria das lideranças desses fundos são mulheres”.
Mercantilização da natureza
Ouvimos nossos entrevistados sobre a sua avaliação com relação aos programas financiados pela Cooperação Internacional para o Desenvolvimento considerando a critica a mercantilização da natureza no âmbito das relações Norte/Sul.
Para Sônia G Mota: “Uma questão central nessa discussão é a dificuldade que a cooperação internacional tem de acolher, numa perspectiva decolonial, como centralidade nas relações Norte/Sul, a necessária e urgente democratização do acesso à terra e ao território para povos e comunidades tradicionais, povos indígenas e famílias camponesas, assim como para os povos das águas, e a garantia de direitos, de modo a possibilitar a permanência nos seus territórios de vida, respeitando os diferentes modos de vida e sistemas agroalimentares, a socio biodiversidade e as dinâmicas de conservação da natureza adotadas por esses povos, questões centrais na discussão sobre desenvolvimento e enfrentamento à crise climática. Faz-se urgente o enfrentamento à perspectiva dominante que parte da transformação da natureza e dos modos de vidas em ativos financeiros, num processo de privatização dos bens comuns, o que comprovadamente gera e agudiza conflitos, amplia o leque de violações de direitos e acelera o processo de destruição da natureza”.
Para Marcelo Montenegro: “É preciso reconhecer a importância dos programas financiados pela cooperação internacional para o desenvolvimento quando estes focam no protagonismo dos povos da floresta e do campo na participação e tomadas de decisões, assim como também no fortalecimento das capacidades de instituições públicas de proteção e regulação de políticas ambientais. Combater as mudanças climáticas é ter instituições públicas fortes e a população dos territórios ativamente participando dos debates, como os guardiões das florestas que eles são. A conjunção dessas ações viabiliza para que consigamos ter políticas que garantam a floresta de pé”.
O debate sobre financeirização da natureza é um tema importante que a Fundação Heinrich Böll, acompanha há anos em níveis nacionais e internacionais. No Brasil tem fortalecido grupos e organizações que promovem uma análise crítica sobre os chamados mecanismos de mercado.
O Brasil na Retomada Verde: Integrar para Entregar é um dos exemplos de análise deste campo. Trata-se de uma importante publicação sobre o tema, editada pelo Grupo Carta de Belém, apoiado pela Fundação Heinrich Böll . Leia :
Marcelo Montenegro cita que análises como a do Grupo Carta de Belém trazem a necessidade de se repensar os processos de financeirizar a natureza em nome do desenvolvimento. Existe uma percepção de que parte do debate e das propostas servem para justificar uma continuidade da extração de combustíveis fósseis, e não eliminar este tipo de exploração de recursos não renováveis. Além disso, há pesquisas e reportagens que apontam as falhas nos mecanismos de compensação de carbono, dentro do mercado voluntário. O jornal inglês The Guardian, por exemplo, no início de 2023 divulgou uma reportagem que indica que 90% das compensações de carbono nas florestas tropicais feitas pela maior certificadora seriam inúteis. Leia:
“É importante que o debate sobre a financeirização da natureza não seja uma distração para uma ação que busque a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis. Além disso é necessário que estejam incluídos nas discussões os povos da floresta e do campo. Não haverá solução eficaz que não tenha os povos dos territórios na centralidade dos debates e das ações. Manter essas populações distantes das negociações em nível nacional e internacional é reforçar formas coloniais, que ameaçam a visão de mundo desses povos, e a efetividade das ações como soluções para o problema das mudanças climáticas”, Conclui Montenegro.
Para Elisangela Soldateli Paim “O apoio para um trabalho mais crítico é muito restrito. Também é importante considerar que a cooperação não somente repassa recursos, mas define políticas. Pode-se analisar isso através de diferentes temas, como por exemplo, os investimentos para transição energética, mercado de carbono e de programas de redução de emissões de gases do efeito estufa no Sul Global. Programas e políticas que tendem a aprofundar a mercantilização da natureza nos países do Sul”.
Como exemplo, ela cita o caso das usinas eólicas em funcionamento no país, cerca de 90% estão concentradas na região Nordeste. Os projetos visam atingir as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) — a meta nacional voluntária de redução da emissão de gases de efeito estufa –, com metas de redução de 37% nas emissões de CO₂ até 2025 e de 43% até 2030, em relação aos níveis de 2005. No Ceará, são mais de 30 memorandos assinados com o governo do estado e as empresas, como a alemã Linde, a holandesa Transhydrogen Alliance e as francesas Qair e Total Eren. No Rio Grande do Sul, foram assinados nove memorandos de intenção ou de realização de projetos pilotos para a produção de hidrogênio verde.
Estes dados são apresentados no relatório Em Nome do Clima — Mapeamento Crítico: transição energética e financeirização da natureza. Leia:
O relatório foi realizado pela Fundação Rosa Luxemburgo em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). A pesquisa foi divulgada em março e aborda os impactos da transição energética e da financeirização da natureza, respectivamente projetos de energia renovável e projetos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD), principalmente. E Elisangela Soldateli Paim conclui:
“Também é necessário analisar quem recebe majoritariamente os recursos da cooperação. Em muitos casos são as grandes ONGs que recebem estes recursos. E as organizações que estão trabalhando nos territórios e acompanhando os impactos socioambientais e as violações de direitos e que são as que possuem um posicionamento mais crítico a estas políticas e projetos, não conseguem acessar esses recursos para seus trabalhos”
Para Vicente Puhl: “A mercantilização da natureza, especialmente dos serviços ecossistêmicos na natureza de fato pode se tornar um problema grave, pois qualquer uso e manejo da natureza deveria se sustentável. Deveríamos punir o uso insustentável da natureza e com o recurso da punição do insustentável, estimular e promover o uso sustentável. Porém o ideal é que não se necessite estimular o manejo sustentável, pois o manejo sustentável deveria ser a filosofia de uso e relação do homem com a natureza. A mercantilização de natureza trás embutido o risco do ser humano não promover o uso sustentável por convicção e apenas por oportunismo, o que é um alto risco para a sustentabilidade planetária.”
A Pão para o Mundo (Bread for the World) é muito cética em relação à economia da natureza, especialmente quando se trata da conservação da biodiversidade. Sabine afirma: “Definimos a natureza como biodiversidade, como ecossistemas que moldam interativamente os processos naturais. Vale a pena proteger esses ecossistemas em sua singularidade. O que queremos fazer com a economização da natureza é enfocar a natureza principalmente como provedora de serviços ecossistêmicos e ver a natureza como capital natural. No entanto, isso traz um grande risco de comercialização com consequências sociais e ecológicas negativas”.
E continua: “O que está acontecendo no setor de conservação da natureza e na política de biodiversidade é que a economização da natureza está se tornando a resposta para a perda da biodiversidade. Em vez de reorganizar o sistema econômico para que permaneçamos dentro dos limites do planeta, estamos começando a fazer da economia a resposta.
Em vez disso, se considerarmos que algo merece ser protegido, devemos simplesmente protegê-lo. Acima de tudo, isso requer vontade política. Funções como recreação e espiritualidade, que associamos à natureza, não podem ser calculadas ou economizadas.
Quando se trata de proteção climática, em particular, a compensação de CO2 é negociada na UNFCCC sob o Artigo 6. As empresas podem emitir aqui na Alemanha ou destruir a biodiversidade e depois compensar isso em outro lugar, por exemplo, plantando árvores no Sul Global. A Pão para o Mundo (Bread for the World) rejeita isso.
Esse mecanismo é inicialmente baseado na destruição ou poluição. Isso não pode ser compensado fazendo coisas supostamente boas em outro lugar. Já existem muitos exemplos de novos conflitos de uso surgindo localmente, com povos indígenas e pequenos agricultores no Sul Global perdendo seus meios de subsistência e sofrendo como resultado. O problema é igualmente grave quando se trata de biodiversidade. Se eu a destruo, ela desaparece e não pode ser compensada pelo reflorestamento. Não se pode pensar apenas em termos de equivalentes de CO2, excluindo todo o resto.
Esse é provavelmente o maior erro da economia verde: medir, calcular e economizar coisas que nunca foram economizadas. A monetização da natureza não é sustentável e só é viável até certo ponto com a aplicação dos mais altos padrões sociais, mas o abuso já é grande. É por isso que a descrevemos como uma falsa solução.
Em vez disso, é necessária uma redução real de CO2. A sociedade civil desempenha um papel importante ao exigir as soluções certas para a proteção climática, eliminando gradualmente os combustíveis fósseis e expandindo as energias renováveis 100% sustentáveis".
Para Júlia Esther Castro, secretária executiva do PAD, “A mobilização social com vista a COP 30 é uma tarefa das organizações, redes das OSC´s, povos tradicionais e indígenas que visam incidir nas decisões da Conferência do Clima, para tal o PAD colheu diferentes opiniões de diferentes atores que atuam no âmbito da cooperação internacional para o desenvolvimento no Brasil, considerando as parcerias estratégicas com as organizações e redes brasileiras, bem como com as organizações de povos indígenas e comunidades tradicionais que estão nos territórios em defesa de seus direitos e dos bens comuns. A mobilização social perpassa pela Cúpula dos Povos, como o foi por ocasião da RIO +20, cuja carta de princípios a ser lançada em agosto/2024 irá nortear os processos de mobilização e elaboração de propostas a serem entregues aos governantes”.
Para esta reportagem foram ouvidos representantes das seguintes organizações:
CESE — Coordenadoria Ecumênica de Serviço
Sonia G. Mota — Diretora Executiva
Fundação Heinrich Böll
Marcelo Montenegro, coordenador da área de justiça socioambiental
Fundação Rosa de Luxemburgo
Elisangela Soldateli Paim, Coordenadora do Programa Latino-americano de Clima e Energia
Heks-Eper
Vicente Puhl — Diretor do Programa País Brasil
Pão para o Mundo (Bread for the World)
Sabine Minninger, Assessora Política
The Tenure Facility
Aurelio Vianna, diretor sênior do programa da Tenure Facility no Brasil
Kátia Visentainer — Comunicação